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Desvio de função: servidores batem à porta do Judiciário para pedir diferenças salariais

De acordo com o Ministro Mauro Campbell Marques, da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “apenas em circunstâncias excepcionais previstas em lei poderá o servidor público desempenhar atividade diversa daquela pertinente ao seu cargo”. Dessa forma, o Poder Judiciário entende que o servidor público deve exercer somente a função para a qual prestou o concurso: não sendo permitido, portanto, nem que o servidor exerça a função de um cargo inferior e nem o contrário, quando o servidor é encaminhado para exercer a função de um cargo superior. Caso o desvio de função – como esse tipo de prática é chamado – seja caracterizado, o servidor pode entrar com uma ação contra o ente público para exigir que o seu direito em exercer somente a função do seu cargo seja respeitado, ou para que receba as diferenças remuneratórias decorrentes do exercício da função diversa ao seu cargo. Leia todos os detalhes na reportagem especial do Superior Tribunal de Justiça.

O edital de abertura do concurso público, que é considerado a “lei” do certame, descreve a habilitação exigida para o exercício dos cargos e as atribuições correspondentes. Contudo, nem sempre o aprovado é designado para exercer as atividades legalmente previstas para o cargo que assumiu. Nessas hipóteses, fica configurado o desvio de função.

De acordo com o ministro Mauro Campbell Marques, da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “apenas em circunstâncias excepcionais previstas em lei poderá o servidor público desempenhar atividade diversa daquela pertinente ao seu cargo”.

Conforme lição de José Maria Pinheiro Madeira, “embora a movimentação de servidor esteja inserida no âmbito do juízo de conveniência e oportunidade da administração pública, é certo que os direitos e deveres são aqueles inerentes ao cargo para o qual foi investido” (Servidor Público na Atualidade).

Para o autor, é inadmissível que o servidor exerça atribuições de um cargo tendo sido nomeado para outro, mesmo levando-se em conta o número insuficiente de agentes públicos. Segundo ele, o servidor tem “o direito de exercer as funções pertinentes ao cargo que ocupa, devendo a ilegalidade ser corrigida pelo Poder Judiciário, se acionado”.

Diante de tantos casos que chegam ao Poder Judiciário, em abril de 2009, o STJ editou a Súmula 378: “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes.” A partir de então, esse entendimento tem sido aplicado por diversos juízos e tribunais.

Retorno

Mas nem sempre as ações ajuizadas dizem respeito à questão financeira. Em agosto de 2013, a Quarta Turma julgou o caso de um servidor do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que desejava simplesmente exercer as atribuições pertinentes ao cargo para o qual foi nomeado (RMS 37.248).

Ele foi aprovado para escrevente técnico judiciário em 1988, contudo, exercia a função de contador judicial – à qual foi designado por meio de uma portaria no mesmo ano em que tomou posse – havia mais de 20 anos.

Antes de entrar na Justiça, tentou retornar ao cargo de origem pela via administrativa, sem sucesso. O mandado de segurança impetrado também foi denegado pelo TJSP. Aquele tribunal considerou que a designação do agente público para o cargo de contador judicial não foi ilegal, nem mesmo violou direito líquido e certo.

Em seu entendimento, o provimento foi fundamentado pelo interesse público, já que o servidor tinha adquirido muita experiência no cargo, e pelo fato de não haver outra pessoa para exercer aquela função sem prejuízo da qualidade do serviço.

Remuneração inferior

No recurso para o STJ, o servidor argumentou que, além de não ter formação em contabilidade, recebia remuneração inferior à de contador judicial, o que, segundo ele, viola os princípios da legalidade, da moralidade e da discricionariedade.

Com base no princípio da legalidade, o ministro Mauro Campbell, relator do recurso, afirmou que “o administrador deve agir de acordo com o que estiver expresso em lei, devendo designar cada servidor para exercer as atividades que correspondam àquelas legalmente previstas”.

Quanto ao caso específico, ele considerou que, apesar do número insuficiente de servidores na contadoria judicial, não é admissível que o escrevente técnico judiciário exerça atribuições de um cargo, tendo sido nomeado para outro. Em decisão unânime, a Turma determinou o retorno do servidor ao cargo de origem.

Diploma

Em outubro do mesmo ano, a Segunda Turma negou provimento ao recurso de um servidor do Paraná que pretendia continuar em cargo de nível superior, no qual atuava havia mais de 20 anos, apesar de ter sido aprovado em cargo de nível médio (RMS 43.451).

Quando ingressou no serviço público, em 1987, ele afirmou que possuía diploma de nível superior e isso foi suficiente para que assumisse o cargo de agente profissional – que exige essa qualificação.

Por meio de processo administrativo disciplinar (PAD), foi constatado que o servidor somente se formou em economia no ano de 2007. O PAD deu origem à decisão administrativa que, em 2011, reenquadrou-o no cargo de origem.

No mandado de segurança impetrado no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o agente disse que a administração não poderia mais sindicar e rever o seu enquadramento, porque havia ocorrido a decadência.

O tribunal de segunda instância discordou e afirmou que a administração pública tem o poder-dever de sanar eventual ilegalidade existente, “não estando o ato de revisão, neste caso, sujeito a prazo prescricional”.

Reenquadramento

Segundo o relator do recurso no STJ, ministro Humberto Martins, “está correto o entendimento do tribunal de origem, já que se afigura como caracterizado o ilegal desvio de função por parte do servidor”.

Ele ressaltou que a jurisprudência do STJ orienta que o desvio de função não pode outorgar o direito ao reenquadramento. Além disso, quanto ao processo administrativo, o ministro verificou que foi dado o direito de defesa ao servidor.

“Não há falar em enriquecimento ilícito por parte da administração pública, porquanto nada obriga que o recorrente desenvolva atividades de nível superior, uma vez que o seu enquadramento correto está adstrito ao nível médio”, concluiu Humberto Martins.

Indenização de transporte 

Embora o desvio de função não implique direito ao reenquadramento ou à reclassificação, quando o servidor exerce funções alheias ao cargo que ocupa, deve receber o pagamento das diferenças remuneratórias.

Com base nesse entendimento, a Quinta Turma reconheceu que um servidor que atuava como oficial de Justiça deveria receber, de forma retroativa, o pagamento de indenização de transporte correspondente ao período em que esteve em desvio de função (RMS 27.831).

O ocupante do cargo de escrevente juramentado foi inicialmente lotado na comarca de Iconha (ES). Em 2006, ele foi deslocado para Conceição da Barra, no mesmo estado, pois o quadro de oficiais de Justiça precisava de pessoal para dar cumprimento ao grande número de demandas pendentes.

No exercício das atividades de oficial de Justiça, passou a receber a indenização de transporte prevista na Lei Complementar Estadual 46/94, já que utilizava o próprio veículo para executar os serviços externos.

Contudo, em 2007, o pagamento da verba foi suspenso e, além disso, foi iniciado procedimento administrativo para reposição ao erário dos valores que já tinham sido pagos.

Negativa ilegal

O servidor apresentou pedido administrativo para receber os valores até então descontados, mas a administração negou, sob o fundamento de que a vantagem é devida apenas aos ocupantes do cargo de oficial de Justiça.

Inconformado, ele impetrou mandado de segurança com o mesmo intuito e o caso chegou ao STJ. O escrevente afirmou que a negativa de pagamento da indenização de transporte foi ilegal. Sustentou que “não constitui pressuposto para a indenização o exercício de cargo efetivo de oficial de Justiça, mas sim o efetivo exercício das atividades inerentes ao cargo de oficial de Justiça”.

A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso, deu razão ao servidor quanto à pretensão de continuar recebendo a indenização de transporte, “enquanto perdurar o exercício das funções atinentes aos oficiais de Justiça, ainda que não seja titular do aludido cargo”.

Imposto de Renda 

De acordo com o ministro Castro Meira, já aposentado, “a parcela recebida por servidor público em virtude do reconhecimento judicial do desvio de função ostenta nítida feição salarial, razão por que sobre ela incide o Imposto de Renda, por representar acréscimo patrimonial, base de incidência tributária”.

A mesma posição foi adotada pela Segunda Turma, em março de 2013, no julgamento do recurso especial de um servidor público que buscava o afastamento da incidência do Imposto de Renda sobre valores recebidos por reconhecido desvio de função, entre os anos de 1987 e 1999 (REsp 1.352.250).

Os ministros debateram a respeito da natureza jurídica dos valores pagos ao servidor –salarial ou indenizatória?

Para o ministro Humberto Martins, relator do recurso especial, “quando há desvio de função, caso a remuneração da atividade exercida seja maior do que a da atividade para a qual foi contratado, pode o trabalhador requerer a equiparação salarial”.

O relator explicou que a remuneração recebida com a equiparação tem nítida feição salarial, pois remunera o serviço que foi prestado em igualdade de condições, embora tenha sido o trabalhador contratado para função diversa.

“Reconhecida a natureza salarial da parcela, sobre ela incide o Imposto de Renda, já que representa acréscimo patrimonial, hipótese de incidência tributária”, concluiu Humberto Martins, no que foi acompanhado pelos demais ministros da Turma.

Auxiliar de enfermagem

A União bem que tentou, mas não conseguiu reformar decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que reconheceu o desvio de função de auxiliares operacionais de serviços diversos que exerciam o cargo de auxiliar de enfermagem (AREsp 68.451).

Para a União, tinha ocorrido a prescrição prevista nos artigos 1º e 2º do Decreto 20.910/32, os quais dispõem que as dívidas da União, dos estados e dos municípios prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originaram, inclusive restituições ou diferenças.

O relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques, concordou com o TRF1 quanto à ocorrência de desvio de função. Por essa razão, aplicou a Súmula 378 do STJ, que garante ao servidor o recebimento das diferenças salariais.

Quanto à prescrição, o ministro se baseou no texto da Súmula 85 do STJ para afirmar que, “em se tratando de desvio de função e não havendo negativa do direito reclamado, o servidor não tem direito apenas às parcelas anteriores aos cinco anos que antecederam a propositura da ação”.

Carga horária

Por meio do Decreto 4.345/05, foi fixada a jornada de 40 horas semanais para os servidores civis do Paraná. Para não contrariar legislação que estabelece jornada de 24 horas semanais para os técnicos de radiologia, devido aos riscos que a atividade causa à saúde, o decreto estabeleceu que as horas restantes fossem cumpridas em atividades administrativas, que não causam risco à saúde.

Para os ministros da Sexta Turma, essa situação não configurou desvio de função (RMS 23.475).

Após o aumento da carga horária, os servidores do estado impetraram mandado de segurança perante o TJPR, mas tiveram a pretensão negada.

No recurso para o STJ, eles defenderam que o decreto fere o direito de exercer suas funções em jornada de 24 horas semanais, “compatíveis, assim, com as atividades que desenvolvem”.

Sustentaram que a exigência prevista no decreto – de complementação das 40 horas semanais com outras atividades – caracteriza desvio de função, conforme previsto na Lei 7.394/85.

Oportunidade e conveniência

Segundo a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do recurso, o Decreto 4.345 não extrapola os limites da lei. “A fixação da jornada de trabalho é tema sujeito aos critérios de oportunidade e conveniência do poder público”, disse.

Ela explicou que, embora a lei federal tenha estabelecido jornada de trabalho de 24 horas para os técnicos de radiologia – por ser uma atividade prejudicial à saúde –, isso não significa que o servidor que exerce essa função não possa, nas horas restantes para complementar a carga de 40 horas semanais, desenvolver tarefas correlatas.

 

 

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Receita pratica discriminação tributária contra refinarias privadas

O artigo 23 da Lei 10.865/2004 faculta ao importador e ao fabricante de gasolina (salvo de aviação) e suas correntes[1] e de óleo diesel e suas correntes, entre outros produtos, optarem por regime especial de apuração do PIS e da Cofins. Consiste tal regime na atribuição de valores fixos às contribuições, por metro cúbico de produto importado ou vendido.

Embora a lei não seja expressa quanto ao creditamento pelas despesas necessárias à industrialização dos mesmos produtos no mercado interno, fato é que o segmento não está excluído da não cumulatividade pelos artigos 8º da Lei 10.637/2002 e 10 da Lei 10.833/2003, sendo ainda de notar que o artigo 3º de ambas as leis não faz nenhuma restrição à tomada de tais créditos.

Deveras, a única vedação relevante para o setor imposta por esse artigo refere-se aos créditos pela aquisição no mercado interno, para revenda, dos derivados de petróleo em questão — o que decorre da menção, na alínea b do inciso I do artigo 3º, ao parágrafo 1º do artigo 2º de ambos os diplomas (ver especialmente os incisos I, VI e X do referido parágrafo 1º)[2].

Apesar disso, a Receita Federal tem autuado os optantes que tomam créditos pelas despesas necessárias à fabricação daqueles produtos (insumos, energia elétrica, armazenagem etc.), ao suposto de que o regime especial afasta a não cumulatividade, exceção feita apenas ao creditamento pela importação das mercadorias nele contempladas, visto ser essa a única hipótese referida de maneira explícita na lei.

Nada mais errôneo. Primeiro, porque a interpretação a contrario sensu dos artigos 8º e 17, inciso II, da Lei 10.865/2004 é forçada: tudo o que eles dizem é que o importador terá créditos para compensar no âmbito do regime especial, em nenhum momento afirmando que este é o único caso de creditamento ou vedando tal possibilidade em outras situações.

Segundo, porque o Fisco parte da premissa errada: se o contribuinte está sujeito ao PIS e à Cofins não cumulativos, o que se deve buscar são regras que vedem o creditamento, e não que o permitam de forma expressa, pois a presunção milita em favor deste. E tal proibição não existe para as despesas em exame, como já se referiu.

Terceiro porque a assimilação do regime especial a um caso de cumulatividade é incompatível com a Lei 10.865/2004, que admite de forma textual o crédito do importador. Cumulatividade com direito de crédito é um contrassenso.

E quarto porque a interpretação adotada pela Receita — sem nenhum fundamento legal, insista-se — contraria princípios constitucionais da maior envergadura, tais como a soberania nacional, a livre concorrência, a neutralidade da tributação, valor subjacente à não cumulatividade e a isonomia.

Basta ver o seguinte: o importador de gasolina que a revende no mercado interno sujeita-se a R$ 261,60 de PIS/Cofins na importação (R$ 46,58 de PIS + R$ 215,02 de Cofins)[3] e a outros R$ 261,60 de PIS/Cofins na revenda. Contudo, deduz o primeiro valor contra o segundo — nos termos do artigo 17, inciso II, da Lei 10.865/2004 —, de sorte que nada paga na segunda operação, submetendo-se a uma carga tributária final de R$ 261,60.

Já a refinaria deve os mesmos R$ 261,60 na venda e, no entender do Fisco, nada pode abater quanto ao PIS e à Cofins suportados na aquisição dos bens e serviços necessários à fabricação da gasolina — despesas que só ela tem, pois o importador já recebe o combustível pronto.

Caso possa compensar tais créditos, terá carga tributária final idêntica à do importador (R$ 261,60), visto que o valor descontado quando do recolhimento já foi suportado no momento das aquisições. Não podendo aproveitá-los, terá carga tributária final equivalente à soma entre os R$ 261,60 devidos na saída e todo o PIS/Cofins incidente sobre as despesas essenciais à sua atividade, numa exótica forma de protecionismo às avessas, em que o país dá tratamento fiscal mais vantajoso aos produtos importados do que aos fabricados localmente.

Se é certo que os tratados firmados pelo Brasil o impedem de conceder privilégios tributários aos produtos domésticos em detrimento dos importados[4], é também evidente que ofende a soberania nacional — a que a ordem econômica deve sujeição, como lembra o artigo 170, inciso I, da Carta — o comportamento contrário, de discriminar fiscalmente os agentes internos em favor dos estrangeiros.

Ademais, a interpretação da Receita gera grave ofensa à livre concorrência (Constituição, artigo 170, inciso IV), favorecendo as 13 refinarias do sistema Petrobras, que em 2015 responderam por 98,2% da capacidade total instalada, frente às quatro controladas pelo setor privado, detentoras de não mais do que 1,8% do parque nacional de refino[5].

Com efeito, as refinarias da Petrobras foram constituídas sob a forma de filiais, de maneira que recebem os principais insumos para a produção de derivados sob a forma de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, sem incidência de PIS/Cofins. Sujeitam-se às contribuições somente nas importações, mas aí a lei lhes garante o crédito.

Já as refinarias privadas, não atuando na extração, precisam comprar os insumos no mercado interno ou no exterior, mas — na esdrúxula concepção da Receita — só têm créditos na segunda hipótese. O resultado dessa interpretação enviesada é a maior oneração tributária dos produtos das refinarias privadas frente aos vendidos pelas refinarias da Petrobras, sendo certo que ambas exercem exatamente a mesma atividade.

É claro que isso não se compatibiliza com a Constituição, que ademais veda a concessão — pela lei ou por quem tenha a função de interpretá-la em nome do Estado — de privilégios fiscais a empresas públicas ou sociedades de economia mista (artigo 173, parágrafo 2º).

Ofensa há ainda à não cumulatividade (artigo 195, parágrafo 12), na sua dimensão funcional — negativa de créditos quanto a despesas efetivas, essenciais e tributadas — e também no seu fundamento último, que é garantir a neutralidade fiscal, qualquer que seja o grau de verticalização dos agentes econômicos[6].

O valor subjacente a todos esses princípios constitucionais é a isonomia, cláusula pétrea cuja faceta tributária vem consagrada no artigo 150, inciso II, da Constituição (vedação de “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”).

A solução desse grave equívoco hermenêutico não requer a declaração de inconstitucionalidade de nenhuma lei — pois não há comando que sustente a visão da Receita —, exigindo apenas uma leitura sistemática e alinhada com a Constituição dos diplomas que regem o PIS/Cofins em geral e o regime especial dos hidrocarbonetos em particular.

[1] Correntes são os fluidos derivados do refino do petróleo que servem à fabricação de um produto.

[2] “Art. 3º. Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

I – bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos:

(…)

b) nos §§ 1º e 1º-A do art. 2º desta Lei;”

“Art. 2º, § 1º. Excetua-se do disposto no caput deste artigo a receita bruta auferida pelos produtores ou importadores, que devem aplicar as alíquotas previstas:

I – nos incisos I a III do art. 4º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, e alterações posteriores, no caso de venda de gasolinas e suas correntes, exceto gasolina de aviação, óleo diesel e suas correntes e gás liquefeito de petróleo – GLP derivado de petróleo e de gás natural;

(…)

VI – no art. 2º da Lei nº 10.560, de 13 de novembro de 2002, e alterações posteriores, no caso de venda de querosene de aviação;

(…)

X – no art. 23 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, no caso de venda de gasolinas e suas correntes, exceto gasolina de aviação, óleo diesel e suas correntes, querosene de aviação, gás liquefeito de petróleo – GLP derivado de petróleo e de gás natural.”

[3] Valores fixados pelo Decreto nº 5.059/2004, conforme a autorização do art. 23, § 5º, da Lei 10.865/2004.

[4] Um exemplo é o General Treaty on Tariffs and Trade – GATT/1994: “III.2. Os produtos do território de qualquer Parte Contratante, importados por outra Parte Contratante, não estão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais. (…)”

[5] As informações foram extraídas do Anuário Estatístico da ANP, disponível em:

http://www.anp.gov.br/wwwanp/ images/publicacoes/Anuario_ Estatistico_ANP_2016.pdf.

[6] Sobre o tema: LUÍS EDUARDO SCHOUERI. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 333-334.

Publicado na Revista Consultor Jurídico, 1 de fevereiro de 2017, 8h10

Igor Mauler Santiago é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG e membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.

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Contencioso administrativo exige reforma nos três níveis da federação

Os tribunais administrativos tributários estão em crise. No âmbito federal, o Carf — apesar de sua decantada qualidade técnica — tem funcionado aos soluços, sacudido ora por suspeitas de corrupção, ora por greves, ora por liminares que impedem o julgamento de casos ou alteram o seu resultado. No plano estadual, reina a entropia, cada estrutura tendo regras próprias de composição e funcionamento. O mesmo vale para os municípios; ou melhor, para a minoria deles que mantém algum órgão do gênero.

O remédio é aperfeiçoar, e não extinguir, pois esses tribunais são essenciais para a garantia de uma tributação justa: é a revisão que fazem do lançamento — pois aqui não cabe esperar o consentimento do devedor, como ocorre nos títulos executivos privados — que legitima o acesso direto do credor à execução, com salto sobre o processo de conhecimento. Interpretando o artigo 5º, inciso LV, da Constituição, o STF já afirmou que o contencioso administrativo em dois graus é direito fundamental do contribuinte (RE 389.383/SP).

O mesmo diploma poderia submeter a câmaras especializadas dos tribunais administrativos estaduais os processos dos municípios sem condições ou interesse para, atendendo àqueles requisitos mínimos, criar a sua própria estrutura de julgamento.

A sistemática, semelhante à adotada nos tribunais de Contas (CF, artigo 31, parágrafos 1º e 4º), não atentaria contra o federalismo. Basta notar que teria aplicação subsidiária, visando efetivar, diante da omissão do poder público, o direito fundamental de acesso à jurisdição administrativa. Repetindo: o município poderia facilmente subtrair-se à instância revisora estadual, desde que instituísse a sua, na forma da lei.

Quanto à composição dos tribunais, temos que a forma paritária — com metade dos integrantes indicados pelo Fisco e metade pelos contribuintes — não é um dogma, podendo-se perfeitamente admitir julgadores profissionais recrutados em concurso específico, à condição de que organizados em carreira apartada da fiscalização e dotados de garantias de imparcialidade similares às outorgadas ao Judiciário.

A manter-se o modelo paritário, que é a nossa tradição, três pontos merecerão cuidado. Primeiro, o resguardo da efetiva paridade, vedando-se o funcionamento de câmaras desequilibradas. Tal anomalia atualmente se verifica no Carf, pela dificuldade de recrutarem-se conselheiros representantes dos contribuintes (que ganham muito menos do que os do Fisco!), e tem ensejado liminares suspendendo o julgamento de feitos naquele órgão.

Segundo, a prevenção de conflitos de interesses no espírito dos julgadores. Para os representantes do Fisco, isso se faz impedindo-se que tenham participação nos valores sobre os quais decidem. A vedação existe para o Judiciário (CF, artigo 95, parágrafo único, II) e deve, pelas mesmíssimas razões — moralidade e imparcialidade —, ser estendida aos juízes administrativos.

A bem dizer, a inconstitucionalidade da MP 765/2016, que destina aos fiscais federais 100% das multas arrecadadas, não seria sanada com a mera supressão do benefício para os auditores cedidos ao Carf. Ainda que restrito aos auditores dedicados à fiscalização, o bônus continuaria a representar apropriação de receita pública para fins privados (ADI 1.145), vinculação de receita à remuneração de servidores (CF, artigo 37, inciso XIII) e ofensa à impessoalidade da administração (STF, Representação 904), entre outros vícios que apontamos em parecer ora pendente de votação no Conselho Federal da OAB.

Já para os representantes dos contribuintes, evitam-se os conflitos de interesses proibindo-se que atuem como advogados. A incompatibilidade, trazida pelo artigo 28, inciso II, do Estatuto da OAB, passou a ser aplicada de forma literal pelo Conselho Federal da OAB apenas em 2015, e mesmo assim só para o Carf — mantendo-se a interpretação anterior (mero impedimento para advogar contra o ente a que servem) para os membros dos demais tribunais administrativos.

O tema suscita paixões, mas aplaudimos a nova orientação e predicamos a sua extensão aos estados e municípios, sem nenhum demérito aos advogados que, seguindo a orientação do Conselho Federal, atuaram ou — nos tribunais locais — continuam a atuar como julgadores. A crítica é à regra (ou a uma certa interpretação dela), e não às pessoas que a observam. E nada tem que ver com suspeitas de corrupção, para as quais o tratamento é policial, mas, sim, com o ganho de eficiência decorrente da dedicação exclusiva de todos os julgadores ao tribunal, e principalmente com o imperativo de transparência, hoje muito mais rigoroso do que outrora.

O terceiro tema refere-se ao tratamento do empate. Pensamos que a solução atual é inadequada, seja por vulgarizar um mecanismo — o voto de minerva do presidente — concebido para resolver a igualdade acidental em cortes com número ímpar de assentos, seja por estimular o alinhamento automático dos conselheiros do Fisco nos casos de vulto. Inverter o critério, como têm feito recentes liminares que definem o empate como vitória do contribuinte, mantém o problema, apenas transferindo o benefício indevido para o outro lado. E acabará por legitimar a Fazenda a contestar em juízo as decisões que lhe forem contrárias, em lance de esquizofrenia institucional: o poder público propondo ação contra um ato seu.

Melhor será eliminar o voto dobrado para qualquer das partes, conservando-se, em caso de empate, a suspensão da exigibilidade do tributo até a sentença de 1º grau, desde que o contribuinte ajuíze ação anulatória em até 60 dias do fim do processo administrativo. O juiz será o desempatador, e o débito deverá ser garantido após a sentença, se esta for de improcedência. Trata-se, é claro, de alteração a ser feita pelo legislador, e não por decisões judiciais ativistas.

Duas observações finais: qualquer modelo, paritário ou não, repele o recurso hierárquico, mantido em algumas legislações estaduais, como a do Rio de Janeiro. Ofende o contraditório e o due process atribuir-se a apenas uma das partes, encerrado o debate no âmbito de órgão técnico, a faculdade de suscitar a decisão política do secretário da Fazenda, nada menos do que o chefe da arrecadação.

E convém, face à elevada sofisticação das questões processuais e de mérito discutidas nos tribunais administrativos, exigir que o particular seja sempre representado por advogado (alteração do artigo 1º do Estatuto da OAB), para maior benefício do próprio contribuinte e para — com a garantia da qualidade técnica dos debates — tirar-se o máximo proveito dessa instância, desafogando-se na medida do possível o Poder Judiciário.

Igor Mauler Santiago é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG e membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.

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