A legislação beneficia com a isenção do Imposto de Renda pessoas acometidas por doenças graves, as quais, geralmente, necessitam de tratamentos de saúde ou do uso de medicamentos especiais. A Lei 7.713/1988 estabelece em seu artigo 6º, inciso XIV, que estão dispensados do pagamento do tributo os proventos de aposentadoria ou reforma de indivíduos acometidos por uma série de moléstias.
Segundo o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, a isenção fiscal concedida aos portadores de doença grave tem por objetivo “abrandar o impacto da carga tributária sobre a renda necessária à sua subsistência e sobre os custos inerentes ao tratamento da doença, legitimando um ‘padrão de vida’ o mais digno possível diante do estado de enfermidade” (REsp 1.507.230).
Desde a edição da Lei 7.713, em 1988, o texto do dispositivo que concede a isenção passou por várias alterações, até chegar à versão atual, de 2004. Ao longo desse tempo, a aplicação do benefício fez surgirem muitas dúvidas sobre o seu alcance. A lista de doenças é taxativa, ou é possível estender a isenção a pessoas com outros males? O benefício fiscal deve ser limitado aos aposentados, ou seria justo que abarcasse também os trabalhadores ativos? Caso a pessoa obtenha a cura para a doença, ela volta a pagar o imposto?
Todas essas questões aportaram no Judiciário e foram solucionadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive por meio da sistemática dos recursos especiais repetitivos, modalidade de julgamento voltada para as demandas de massa.
Para o STJ, o rol de doenças previstas na Lei 7.713/1988 é taxativo, ou seja, apenas as pessoas portadoras das doenças ali mencionadas expressamente poderão ser contempladas com o direito à isenção do IR.
Só para inativos
Dez anos após definir que é taxativo o rol de moléstias graves, a Primeira Seção voltou ao assunto para, também em julgamento de recursos especiais repetitivos (Tema 1.037), fixar a tese de que a isenção do IR prevista na Lei 7.713/1988 para os proventos de aposentadoria e reforma não é aplicável no caso de trabalhador com doença grave que esteja na ativa.
Outras provas
Conforme a Súmula 598 do STJ, é desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial do direito à isenção do IR, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova.
Entendimento contrário levaria à conclusão de que ao Judiciário não haveria outro caminho senão a chancela do laudo produzido pela perícia oficial, o que não se coaduna com os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Já a Súmula 627 do STJ preceitua que o contribuinte portador de alguma das doenças mencionadas na lista faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do IR, não sendo exigível que demonstre a contemporaneidade dos sintomas ou a recidiva.
Em junho de 2020, a Primeira Turma decidiu (REsp 1.836.364) que o sucesso no tratamento de uma doença grave não afasta o direito à isenção de IR previsto na legislação.
Para o colegiado, na hipótese de contribuintes acometidos por doenças classificadas como graves – nos termos do artigo 6º, inciso XIV, da Lei 7.713/1988 –, a isenção do IR não pode ser afastada pela falta de atualidade do quadro clínico que gerou o benefício, como estabelecido na Súmula 627 do STJ, segundo a qual a contemporaneidade dos sintomas não é requisito para o reconhecimento do direito.
Por unanimidade, o colegiado garantiu a isenção do IR a um aposentado que apresentou quadro de cardiopatia grave durante anos, mas obteve sucesso no tratamento da doença após cirurgia realizada em 2016.
“O referido benefício independe da presença, no momento de sua concessão ou fruição, dos sintomas da moléstia, pois é de conhecimento comum que determinados males de saúde exigem, da pessoa que os teve em algum momento de sua vida, a realização de gastos financeiros perenes – relacionados, por exemplo, a exames de controle ou à aquisição de medicamentos”, afirmou o relator do recurso do contribuinte, ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
Na ação, o aposentado pediu o reconhecimento em definitivo da isenção e a restituição dos valores pagos dentro do prazo prescricional de cinco anos. O ministro Napoleão destacou que, apesar do sucesso no tratamento da cardiopatia, as informações do processo indicam que a doença, além de impor gastos adicionais, tem natureza reincidente – ou, pelo menos, risco de reincidência.
Para o STJ, o termo inicial da isenção e da restituição dos valores recolhidos a título de IR sobre proventos de aposentadoria de portadores de moléstias graves deve ser a data em que foi comprovada a doença, ou seja, a data do diagnóstico médico, e não a da emissão do laudo oficial.
O entendimento foi reafirmado pela Segunda Turma em 2018, no julgamento do AREsp 1.156.742. Segundo a relatora, ministra Assusete Magalhães, é desnecessária, conforme precedentes do STJ, a realização de outras inspeções médicas periódicas, como condição para manter a isenção do IR já reconhecida para os portadores das moléstias graves.
Em outro caso analisado também pela Segunda Turma, referente a pleito de isenção do IR formulado por portador de doença caracterizada como cardiopatia grave, o colegiado afirmou que o benefício independe da contemporaneidade dos sintomas, sendo dispensada a exigência de reavaliação pericial periódica.
“A jurisprudência desta casa compreende que essa situação se enquadra naquela que permite o gozo da isenção pretendida do Imposto de Renda, tendo em vista o seu objetivo de amenizar os gastos do paciente aposentado com a continuidade de seu tratamento, facilitando-a, ainda que se o considere clinicamente ‘curado’ ou com a doença sob controle”, disse o relator, ministro Mauro Campbell Marques, no RMS 57.058.
De relatoria do ministro Humberto Martins, o REsp 1.507.320 definiu serem isentos do pagamento do IR os valores recebidos de fundo de previdência privada a título de complementação da aposentadoria por pessoa acometida de uma das doenças listadas na Lei 7.713/1988.
A decisão se baseou no entendimento de que o capital acumulado em plano de previdência privada tem natureza previdenciária, pois representa patrimônio destinado à geração de aposentadoria – e inclusive porque a previdência privada é tratada na seção sobre previdência social da Constituição Federal. Para Humberto Martins, isso legitima a isenção sobre a parcela complementar recebida pelos portadores de moléstias graves.
“O caráter previdenciário da aposentadoria privada encontra respaldo no próprio Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000/1999), que estabelece em seu artigo 39, parágrafo 6º, a isenção sobre os valores decorrentes da complementação de aposentadoria”, afirmou o relator.
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