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Lei Complementar aprovada viabiliza fim da guerra fiscal

O Congresso Nacional acaba de aprovar o PLS-C 130/2014, que permite a “convalidação” dos incentivos e benefícios de ICMS concedidos unilateralmente pelos estados e o Distrito Federal, no âmbito da chamada “guerra fiscal”.

A regulação da matéria era necessária e veio em boa hora.

Embora em muitos casos não tenham sido observados os requisitos legais, a concessão de incentivos e benefícios de ICMS foi fundamental para a desconcentração econômica do país e viabilizou a redução de desigualdades sociais e regionais (CF, artigo 3º), conforme demonstram estudos do IBGE[1].

De outro lado, as empresas que foram induzidas a fazer investimentos em determinadas localidades mediante promessa de desoneração fiscal, inclusive para compensar os maiores custos logísticos de instalação e operação mais longe dos grandes centros consumidores, não podem ser surpreendidas pela mudança abrupta das regras, em face dos princípios da segurança jurídica e moralidade administrativa.

Nada obstante, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal caminhou no sentido de manter a validade dos incentivos e benefícios concedidos de forma unilateral somente até a data de julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade. Trata-se da chamada “morte súbita”, que, em certos casos, “geraria prejuízos substanciais para a economia e população dos estados e do país, bem como para os cofres públicos estaduais e federais”, como aponta a FGV-RJ[2].

Diante disso, restava ao Congresso Nacional editar normas de alcance geral destinadas a arbitrar o conflito (CF, artigo 146).

A solução foi criar lei complementar, de caráter excepcional e temporário, destinada a regular a forma como os Estados e o Distrito Federal poderiam deliberar especificamente sobre os incentivos e benefícios de ICMS concedidos sem a anuência do Confaz, com fundamento no artigo 155, §2º, XII, “g”, da Constituição Federal.

Isso porque, de um lado, o sistema de deliberação previsto na Lei Complementar 24/1975 não permitia avançar na questão. Primeiro, porque exige-se quórum unânime de deliberação, inviabilizando acordo razoável. Segundo, porque não há sanção para as unidades federadas que descumpram as suas disposições[3]; o único que “toma bala” na “guerra fiscal” é o contribuinte[4], que fica sujeito à exigência do tributo nos Estados de origem e de destino (bitributação). A despeito disso, há forte resistência em alterar-se o sistema da referida lei complementar.

Havia alguns projetos sobre o tema, entre os quais o PLS-C 130/2014, de autoria da senadora Lúcia Vânia, que pretendia “legalizar” os incentivos e benefícios de ICMS concedidos irregularmente. Diante da necessidade de assegurar aos Estados e ao Distrito Federal o poder de decidir em última instância sobre a matéria (CF, artigo 155, §2º, XII, “g”), o senador Ricardo Ferraço apresentou emenda para fixar o quórum de deliberação em 2/3, seguindo a fórmula do artigo 12, §3º, da Lei Complementar 24/1975. Exigiu-se, adicionalmente, a anuência de 1/3 das unidades federadas de cada região, de modo a garantir-se o equilíbrio regional. Coube, então, ao saudoso senador Luiz Henrique construir um texto de consenso, que foi aprovado, com alguns ajustes, em Plenário, por expressiva maioria (52 votos a 6).

Remetido o projeto à Câmara dos Deputados, onde tramitou como PLP 54/2015, foi apresentado substitutivo pelo deputado Alexandre Baldy, também aprovado em Plenário por ampla maioria (386 votos a 25).

Em razão das modificações havidas, o projeto retornou ao Senado, como SCD 5/2017, o qual foi relatado pelo senador Ricardo Ferraço, cujo parecer foi aprovado em Plenário por unanimidade (53 votos, incluída 1 abstenção), acrescido de destaque (43 votos a 3).

O texto final remetido à sanção presidencial, em síntese, permite ao Confaz autorizar a remissão (perdão) dos créditos tributários relacionados aos incentivos e benefícios concedidos unilateralmente até a data da publicação da lei complementar, bem como a reinstituição daqueles ainda vigentes. Trata-se de procedimentos que equivalem à “convalidação” dos incentivos e benefícios concedidos de forma irregular no passado.

São passíveis de convalidação os incentivos e benefícios publicados nos diários oficiais dos entes que os tenham concedido e cujos atos concessivos tenham sido registrados e depositados junto à Secretaria Executiva do Confaz, para posterior disponibilização no respectivo site.

Para tanto, será necessário o voto de, pelo menos, 18 unidades federadas (2/3), dentre as quais deve constar, no mínimo, uma da Região Sul, duas da Região Sudeste, duas da Região Centro-Oeste, três da Região Nordeste e três da Região Norte (1/3). A questão deverá ser decidida em até 180 dias.

O prazo máximo de vigência dos incentivos e benefícios que venham a ser reinstituídos será contado da publicação do convênio e não poderá ultrapassar o final do: (a) 15º ano, em relação aos destinados ao fomento das atividades agropecuária e industrial, inclusive agroindustrial, e ao investimento em infraestrutura rodoviária, aquaviária, ferroviária, portuária, aeroportuária e de transporte urbano; (b) 8º ano, em relação aos destinados à manutenção ou ao incremento das atividades portuária e aeroportuária vinculadas ao comércio internacional, incluída a operação subsequente à da importação, praticada pelo contribuinte importador; (c) 5º ano, em relação aos destinados à manutenção ou ao incremento das atividades comerciais, desde que o beneficiário seja o real remetente da mercadoria; (d) 3º ano, em relação aos destinados às operações e prestações interestaduais com produtos agropecuários e extrativos vegetais in natura; (e) 1º ano, em relação aos demais.

Nesse ínterim, poderão as unidades federadas revogar ou reduzir (jamais aumentar) o volume dos incentivos e benefícios, bem como estendê-los a outros contribuintes localizados em seu território, inclusive reproduzindo desonerações em vigor em outras unidades da mesma região.

Importante observar que o perdão de créditos tributários concedido por lei da unidade de origem repercutirá na unidade de destino, implicando o cancelamento de autos de infração que tenham sido lavrados no passado, bem como dos processos administrativos ou judiciais decorrentes. Isso porque a base normativa de tais autuações é o artigo 8º da Lei Complementar 24/1975, cujas sanções restarão automaticamente afastadas no caso de “convalidação” dos respectivos incentivos e benefícios, tendo em vista a autorização superveniente do Confaz.

Vale destacar, ainda, que a persistência na prática denominada “guerra fiscal” implicará, para a unidade infratora, as sanções financeiras previstas no §3º do artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal, ficando vedados, enquanto perdurar a infração: (a) o recebimento de transferências voluntárias; (b) a obtenção de garantia, direta ou indireta, de outro ente; (c) a contratação de operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal. A aplicação das sanções será feita de forma célere, mediante provocação de unidade federada interessada ao Ministro da Fazenda, o qual, em constatando a inobservância das regras aplicáveis à concessão de desonerações do ICMS, deverá declarar tal fato no prazo de até 90 dias, com o que incidirão as vedações legais. Ainda, a imposição da pena deverá ser fiscalizada pelo Tribunal de Contas da União. O fim da impunidade, por si só, terá papel decisivo na eliminação da guerra fiscal.

Além disso, o relator da matéria na Câmara dos Deputados havia proposto a redução gradativa dos incentivos e benefícios, ao longo do respectivo prazo de vigência. A ideia era arrefecer a guerra fiscal, aliviar os cofres estaduais combalidos pela crise econômica, viabilizar uma transição ordenada para um cenário sem incentivos, e criar uma alternativa à redução das alíquotas interestaduais do ICMS, objeto do PRS 1/13.

Entretanto, houve impasse e, após negociações, concordou-se em retirar da regra os incentivos industriais e demais sujeitos ao prazo de vigência de 15 anos, o que viabilizou a aprovação da matéria na Câmara. Devolvido o projeto ao Senado, alguns estados acenaram com perdas significativas no comércio interestadual e, considerando que parte substancial dos incentivos e benefícios havia sido excluída da regra, e que os produtos importados estão submetidos à menor alíquota interestadual (4%) para mitigar os efeitos da “guerra fiscal”[5], optou-se por afastar linearmente a redução para conferir isonomia às unidades federadas e aos contribuintes.

Por fim, o texto aprovado contém normas interpretativas para explicitar que os incentivos e benefícios de ICMS, ainda que concedidos sem autorização do Confaz, caracterizam subvenção para investimento, sempre que atendidas as disposições do artigo 30 da Lei 12.973/2014.

Interessante notar que a redação do artigo 9º do substitutivo da Câmara dos Deputados foi alterada pelo Senado Federal, para maior precisão. A redação original previa que os incentivos e benefícios de ICMS “são considerados subvenções para investimento, nos termos do caput” do artigo 30 da Lei 12.973/2014.

A intenção do legislador, declarada no relatório apresentado pelo deputado Alexandre Baldy, foi incluir “artigos que deixam claro que os incentivos e benefícios fiscais de ICMS recebidos pelas pessoas jurídicas, desde que esses valores sejam mantidos em conta de reserva no Patrimônio Líquido, são subvenções para investimentos, sobre eles não incidindo, por consequência, IRPJ e CSLL. Impede-se, com isso, que a Secretaria da Receita Federal do Brasil continue e autuar as empresas beneficiárias de incentivos do ICMS com base em interpretações jurídicas equivocadas, reforçando a segurança jurídica e garantindo a viabilidade econômica dos empreendimentos realizados”.

Ocorre que a Receita Federal poderia continuar exigindo o atendimento de condições não previstas no artigo 30 da Lei 12.973/2014 (por exemplo, investimento imediato em ativo permanente) para, com isso, prolongar as discussões sobre o tema, frustrando o objetivo buscado pela Câmara dos Deputados.

Por isso, o Senado Federal acolheu a proposta do senador Ricardo Ferraço e deixou claro que os incentivos e benefícios de ICMS “são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo”. A mudança do texto realçou o caráter expletivo da norma criada pela Câmara dos Deputados, “de modo a ensejar a perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma” (artigo 11, II, “a”, da Lei Complementar 95/1998)[6], como atesta o Parecer 49, de 2017-CAE[7].

Do exposto, verifica-se que, em função da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, houve notável esforço do Poder Legislativo para viabilizar uma saída organizada do ambiente de guerra fiscal, com o restabelecimento da segurança jurídica.

A publicação da lei complementar será o marco temporal para aferição dos incentivos e benefícios passíveis de convalidação, o que significa dizer que, a partir desse momento, nenhum outro poderá ser regularizado com base nela. E, com a publicação do convênio, terá início o prazo para extinção dos incentivos e benefícios cuja convalidação tenha sido autorizada pelo Confaz. Na sequência, deverão as unidades federativas produzir as normas necessárias à ratificação e posterior incorporação do convênio à legislação estadual, em conformidade com o artigo 150, §6º, da Constituição Federal combinado com a Lei Complementar 24/1975.

Nesse contexto, aguarda-se que o presidente da República sancione integralmente o texto final originado do PLS-C 130/2014, fruto de amplo debate parlamentar, com a participação ativa dos interessados, e que restou aprovado por esmagadora maioria, nas duas Casas do Congresso Nacional. Na sequência, poderá o Confaz reunir-se para deliberar sobre a matéria e, enfim, possibilitar que os estados e o Distrito Federal editem as normas necessárias para dar início ao fim da “guerra fiscal” do ICMS.

Completado o ciclo normativo, estima-se que haverá reflexos positivos para a economia nacional, pois as empresas poderão realizar investimentos que haviam bloqueado com receio de serem obrigadas a pagar por incentivos e benefícios já gozados ou que viessem a usufruir.

[3] As sanções previstas no par. único do art. 8º da Lei Complementar nº 24/1975 são: “a presunção de irregularidade das contas correspondentes ao exercício, a juízo do Tribunal de Contas da União, e a suspensão do pagamento das quotas referentes ao Fundo de Participação, ao Fundo Especial e aos impostos referidos nos itens VIII e IX do art. 21 da Constituição federal.” Ocorre não compete ao Tribunal de Contas da União fiscalizar os Estados e o Distrito Federal, sujeitos ao controle dos respectivos Tribunais de Contas, salvo quando se trate de repasse voluntário de verbas federais (CF, arts. 71, VI, e 75). Por outro lado, a suspensão das quotas do Fundo de Participação somente pode ocorrer nos casos previstos no parágrafo único do art. 60 da Constituição Federal em vigor. Por fim, os impostos únicos referidos nos itens VIII e IX do art. 21 da Constituição de 1967/69 foram revogados pela CF/88.

[4] Santi. Eurico Marcos Diniz de. A guerra fiscal do ICMS sob uma perspectiva comparada de competição tributária. São Paulo: Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – DIREITO GV, 2010, p. 12.

[5] Cf. Parecer nº 372, de 2012- CAE, de autoria do Senador Eduardo Braga.

[6] O retorno do projeto à outra Casa Legislativa não é cabível quando não há “mudança de fundo, mas redacional” (ADI 600-2/DF – Rel. Min. Marco Aurélio – DJ: 30/06/1995). Vide: ADI 2.182/DF e 2.238/MC-DF).

[7] “(…) É necessário eliminar a insegurança jurídica decorrente de cobranças fiscais, de forma que as empresas possam reverter provisionamentos e retomar os investimentos. Para que tal objetivo seja atingido, mantido o objeto aprovado pela Câmara dos Deputados, é necessário adequar a redação do § 4º do art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, na forma do SCD, para substituir a expressão “nos termos do caput deste artigo” por “vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo”. Com essa redação, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) não poderá alegar que devem ser feitas exigências não previstas no texto do art. 30 do referido Diploma Legal. Atinge-se, portanto, o escopo da Câmara dos Deputados, que é a observância estrita desse dispositivo e a consequente preservação da segurança jurídica.”

Por Hugo Funaro e Hamilton Dias de Souza

Hugo Funaro é advogado tributarista, mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP. Sócio do Dias de Souza Advogados Associados.

Hamilton Dias de Souza sócio fundador da Dias de Souza Advogados Associados, é mestre e especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Revista Consultor Jurídico, 3 de agosto de 2017.

http://www.conjur.com.br/2017-ago-03/opiniao-lei-complementar-aprovada-viabiliza-fim-guerra-fiscal

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A não incidência de Pis/Cofins na revenda de veículos usados

As pessoas jurídicas que tenham como atividade empresarial declarada em seus atos constitutivos a compra e venda de veículos automotores poderão equiparar, para fins tributários, como operação de consignação, as operações de venda de veículos usados, adquiridos para revenda, bem assim dos recebidos como parte do preço da venda de veículos novos ou usados, nos termos do artigo 5º, da Lei 9.716/98.

Assim, não obstante a revenda de veículos tratar-se de operação de natureza mercantil, para fins fiscais, nos termos do aludido artigo, referida operação é equiparada à consignação e, por consequência, não comporta a incidência das contribuições sociais em comento.

Todavia, no entendimento do Fisco federal, os recursos financeiros que ingressam no caixa da empresa em decorrência da revenda de veículos recebidos como parte do preço da venda de veículos novos ou usados devem ser tributados pelo PIS e pela Cofins, pois teria ocorrido o fato gerador de tais contribuições, enquadrando-se os referidos recursos no conceito de receita bruta.

Em outras palavras, o Fisco ignora o disposto no artigo 5º, da Lei 9.716/98, entendendo que a hipótese de não incidência das contribuições sociais para o PIS e a Cofins na operação equiparada à consignação viola o conceito de receita bruta/faturamento (base de cálculo do PIS/Cofins) disposto no artigo 2º, da Lei Complementar 70/91.

Com efeito, conforme entendimento já manifesto pelas cortes superiores, inclusive em recente julgamento promovido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 574.706 (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins), nem todo ingresso no caixa da empresa deve ser considerado faturamento/receita para fins de apuração do PIS e da Cofins.

Dessa forma, conforme entendimento consolidado, em homenagem ao princípio da capacidade contributiva, para efeitos de tributação pelo PIS e pela Cofins, deve-se levar em conta tão somente ingressos que representam fato-signo presuntivo de riqueza.

Para melhor compreensão do tema, vale a conjectura da sistemática preconizada pelo Fisco e, após, a visualização de como deve ocorrer, segundo o artigo 5º, da Lei 9.716/98, ressalvando-se que o entendimento do Fisco reflete o que ocorria anteriormente à vigência da legislação ora invocada.

Pela sistemática defendida pela Receita Federal, uma empresa que, ao vender um veículo automotor novo ou usado por R$ 100 mil, recebesse um usado por R$ 50 mil, teria que recolher aos cofres públicos o PIS e a Cofins sobre os R$ 50 mil (veículo usado dado como parte do pagamento) quando da venda do veículo novo ou usado e, novamente, quando da revenda do veículo usado dado como parte do pagamento, caracterizando nítida bitributação (bis in idem), sabidamente vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Veja-se:

SISTEMÁTICA DA RECEITA FEDERAL
Operação de venda de veículo novo ou usado
Valor do veículo na concessionária:
R$ 100 mil
Veículo dado como parte do pagamento:
R$ 50 mil
Restante do pagamento em dinheiro:
R$ 50 mil
Base de cálculo do PIS/Cofins:
R$ 100 mil
PIS/Cofins devido/pago:
R$ 3.650
Operação de revenda de veículo usado
Veículo dado como parte do pagamento:
R$ 50 mil
Valor do veículo atribuído pela concessionária para revenda:
R$ 60 mil
Lucro da concessionária na revenda:
R$ 10 mil
Base de cálculo do PIS/Cofins:
R$ 60 mil
PIS/Cofins devido/pago (3,65%):
R$ 2.190
SISTEMÁTICA SEGUNDO O ARTIGO 5º DA LEI 9.716/98 NA REVENDA
Operação de venda de veículo novo ou usado
Veículo dado como parte do pagamento:
R$ 50 mil
Valor do veículo atribuído pela concessionária para fins de revenda:
R$ 60 mil
Lucro da concessionária na revenda:
R$ 10 mil
Base de cálculo do PIS/Cofins:
R$ 10 mil
PIS/Cofins devido (3,65%):
R$ 365
PIS/COFINS PAGO A MAIOR (R$ 2.190 – R$ 365) = R$ 1.825

Veja-se que no exemplo simplório da tabela acima, na sistemática aplicada pela Receita Federal, na operação de revenda do veículo usado, houve a apuração de R$ 2.190, isto é, R$ 1.825 a mais de PIS/Cofins, em razão da tributação em duplicidade sobre o valor de R$ 50 mil.

Por outro lado, no que diz respeito à aplicação da sistemática de apuração veiculada pelo artigo 5º, da Lei9.716/98, considerando como fato gerador (receita bruta/faturamento) tão somente o fato-signo presuntivo de riqueza (lucro) o valor de R$ 10 mil (valor de revenda do veículo – o seu custo de aquisição = lucro), tem-se como valor devido de PIS/Cofins o montante de R$ 365.

No que atine às alíquotas aplicadas para as contribuições sociais objeto do presente artigo (0,65% para o PIS e 3,00% para a Cofins), cumpre esclarecer que, independentemente da forma de tributação (lucro real, presumido ou arbitrado), em razão do disposto nos artigos 8º, inciso VII, item “c”, da Lei 10.637/02, e 10, inciso VII, item “c”, da Lei 10.833/03, a operação em estudo será regida pelo regime cumulativo, motivo de aplicação das referidas alíquotas.

Por fim, vale consignar que existem significativas decisões proferidas pelos tribunais pátrios, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça, em acolhimento à aplicação do artigo 5º, da Lei 9.716/98, sob o entendimento de que, na revenda de veículo usado, o PIS e a Cofins devem incidir tão somente sobre o fato-signo presuntivo de riqueza, representado pelo lucro (receita – custo de aquisição), sob pena de ofensa ao princípio da capacidade contributiva e indevida promoção à bitributação.

Portanto, diante do quadro ora exposto, conclui-se que há sólidos argumentos e respaldo jurisprudencial para que empresas que tenham como atividade empresarial declarada em seus atos constitutivos a compra e venda de veículos automotores acionem o Poder Judiciário visando afastar o recolhimento do PIS e da Cofins sobre o valor total obtido na revenda de veículo automotor usado, bem como o reconhecimento do direito de compensar/restituir o que foi pago a maior, indevidamente, nos últimos cinco anos.

FONTE: http://www.conjur.com.br/2017-ago-06/rafael-araujo-nao-incidencia-piscofins-revenda-usados

 

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Multa qualificada, voto de qualidade e Pert

Em muitos aspectos, o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) se distancia dos últimos programas de parcelamento de débitos tributários federais, especialmente pelos descontos menos atrativos, condições de permanência e causas de exclusão. Nada que fuja, à primeira vista, da competência outorgada ao legislador ordinário pelo artigo 155-A do Código Tributário Nacional (CTN), de tal modo que o parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.

Contudo, surge instigante a verificação da validade da vedação à inclusão de dívidas decorrentes de lançamento de ofício cuja multa de ofício qualificada – por dolo, fraude ou sonegação – tenha sido mantida definitivamente na esfera administrativa. Estaria tal vedação alinhada ao ordenamento jurídico e, mais especificamente, às regras do CTN (artigo 154, parágrafo único, e artigo 155-A, parágrafo 2º) que afastam a concessão de moratória e parcelamento no caso de dolo, fraude ou simulação?

Parece-nos que uma adequada interpretação da restrição permite concluir pela sua inaplicabilidade na hipótese de julgamento por voto de qualidade (desempate).

O critério eleito na medida provisória, no caso de voto de qualidade, representa diferenciação que viola o ordenamento jurídico

À primeira vista, parece lógica e plenamente justificada. A retórica do argumento é cativante: retira-se, afinal, o incentivo a maus pagadores ou “sonegadores”, induzidos que são – dizem – a condutas ilícitas em razão de reiterados programas de parcelamento. Atende, portanto, aos anseios da Receita Federal do Brasil, notoriamente contra parcelamentos. Contudo, cabem algumas observações.

Dados divulgados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), referentes a 2016, indicam que quase 70% dos casos julgados por voto de qualidade (desempate) foram a favor da Fazenda Nacional, sendo que, de 24 temas analisados e decididos por esta sistemática na Câmara Superior, 23 também foram desfavoráveis aos contribuintes, também por voto de qualidade.

Temas controvertidos são marcados por profundas alterações na jurisprudência dominante. Determinadas operações, antes chanceladas pelo Carf, são mantidas com acusação de fraude, não sendo raros os casos de restabelecimento da multa de ofício qualificada pela Câmara Superior. Com isso, queremos dizer que merecem temperamentos as declarações de autoridades públicas que, em tom maniqueísta, tentam estabelecer uma segregação entre “bons” e “maus”, adotando a multa qualificada como parâmetro de comparação.

É justamente neste contexto que surge a nossa análise. Conquanto elementar, não é demais relembrar que a igualdade foi eleita como valor/princípio/garantia fundamental pelo legislador constituinte. Dada a sua relevância insuperável, a Constituição Federal foi mais contundente em sua normatização no trato da matéria tributária, vedando que os entes políticos instituam tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente (artigo 150, II, da Constituição Federal).

A igualdade pressupõe a comparação entre dois ou mais sujeitos ou objetos, através de uma medida de comparação cujo elemento indicativo guarde relação de pertinência e de conjugação com a finalidade da lei, isto é, deve encontrar amparo em fundamento estatístico (consistência fática) e ser o melhor elemento indicativo dentre os disponíveis para escolha do legislador.

No Pert, devemos nos perguntar, afinal, se a medida de comparação eleita e seu respectivo elemento indicativo (atributo de sonegação/fraude e multa de ofício qualificada mantida no Carf, respectivamente) guardam vinculação com a finalidade da legislação: diferenciar débitos decorrentes de fraude/sonegação daqueles oriundos de mero inadimplemento. A conclusão também valerá, a nosso ver, para se determinar se a vedação do CTN se aplicaria ao caso.

Se a finalidade da medida provisória e do CTN (razão da desigualdade) for diferenciar débitos oriundos de sonegação ou fraude de meros inadimplentes para fins de concessão de parcelamento, a medida de comparação deve ser factível, ou seja, tal crime deve estar configurado.

Não há relação estatística comprovada entre manutenção de auto de infração com multa qualificada e a configuração do crime de fraude ou sonegação. Somente a partir do julgamento administrativo é que poderá ser investigado eventual crime contra a ordem tributária. No caso de voto de qualidade, a presunção do ilício é completamente afastada e não deve prevalecer a restrição.

Na Constituição Federal, vigora a presunção de inocência (artigo 5º, LVII); no âmbito processual penal, o princípio in dubio pro reo; e no âmbito tributário, o princípio in dubio pro contribuinte (artigo 112 do CTN). Havendo dúvida, não há dissenso quanto, ao menos, a necessária desqualificação da multa de ofício. Cai por terra o “caso de dolo, fraude ou simulação” que impediria a concessão do parcelamento (no CTN e na legislação do Pert).

Não há o pressuposto autorizador da restrição prevista no CTN e, via de consequência, o critério eleito na medida provisória, no caso de voto de qualidade, representa diferenciação que, antes de prestigiar o princípio da igualdade, revela-se mera arbitrariedade que viola o ordenamento jurídico.

Diante desta situação, é válida a adoção de medida judicial que contextualize o pressuposto da norma que veicula a respectiva vedação no caso de voto de qualidade, interpretando o CTN e a medida provisória conforme a Constituição Federal e pelos critérios sistemático e teleológico restritivo (exclusão de situações que indiscutivelmente estão fora de sua abrangência pelo contexto e finalidade pressupostos da norma), de modo a garantir a inclusão dos débitos no Pert. Não haverá atuação como legislador positivo pelo Poder Judiciário, que tão somente confirmará a correta interpretação da legislação sob a ótica da igualdade.

FONTE: http://www.valor.com.br/legislacao/5069716/multa-qualificada-voto-de-qualidade-e-pert

 

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Santander ganha casos de R$ 338 milhões no Carf

O Banco Santander obteve uma vitória milionária no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Os dois casos, que foram “herdados” pela instituição financeira após a aquisição do ABN AMRO, tratam da amortização de ágio.

Os processos envolvem uma cobrança de cerca de R$ 338 milhões de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e CSLL, e foram julgados de forma conjunta no dia 20 de junho. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ainda pode recorrer à Câmara Superior do Carf, que tem mantido cobranças fiscais envolvendo ágio.

Os fatos tratados no processo datam de 2003, quando ocorreu a aquisição do Banco Sudameris – controlado pela italiana Intesa – pelo Grupo ABN na Holanda. O Santander adquiriu o ABN AMRO em 2007.

Para as instituições financeiras, a operação teria gerado ágio, que foi abatido da base de cálculo do IRPJ e da CSLL entre 2009 e 2012. Na 1ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção, as discussões giraram em torno da possibilidade de amortização fiscal, dado que o benefício já havia sido anteriormente amortizado contabilmente.

No caso concreto, no momento em que o ágio foi amortizado, reduzindo o total a pagar de IRPJ e CSLL, ele já havia sido “baixado” na contabilidade do banco.

O relator do caso no Carf, conselheiro Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, entendeu que a amortização contábil não impede a amortização fiscal. Ele afastou a alegação da Receita Federal, que considerou que, ao amortizar contabilmente, o contribuinte perde o direito à amortização fiscal.

Ficaram vencidos os conselheiros Luiz Augusto de Souza Gonçalves, Abel Nunes de Oliveira Neto e Luiz Rodrigo de Oliveira Barbosa.

A decisão é de uma das chamadas “turmas ordinárias” do Carf, o que significa que a PGFN ainda pode recorrer à instância máxima do tribunal, a Câmara Superior. O colegiado já julgou diversos casos sobre ágio, mas nunca autorizou a amortização do benefício.

Processos tratados na matéria:

6327.721125/2014-38 e 16327.721168/2014-13
Banco Santander (Brasil) X Fazenda Nacional

Fonte: https://jota.info/tributario/santander-ganha-casos-de-r-338-milhoes-no-carf-03072017

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Carf mantém cobrança em caso de marketing multinível

Em julgamento inédito na Câmara Superior, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve uma cobrança fiscal lavrada contra uma companhia que estruturou seus negócios de acordo com o chamado “marketing multinível”. A metodologia é uma espécie de esquema de pirâmide, e, para os conselheiros, haveria relação de emprego entre a companhia e os revendedores, sendo necessário o pagamento de contribuição previdenciária.

O caso foi a julgamento no dia 27 de junho. Os julgadores analisaram processo envolvendo a companhia Forever Living Products Brasil, que comercializa produtos de nutrição e cuidados pessoais.

De acordo com a defesa, a empresa não realiza a venda em lojas ou comércios, mas sim por meio de pessoas físicas. Esses revendedores compram os produtos, e parte do valor vai para um fundo gerido pela empresa. No final do mês o montante depositado no fundo é rateado de acordo com a quantidade de mercadorias compradas por cada pessoa física.

A companhia recorreu ao Carf após a Receita Federal considerar que incidiria a contribuição previdenciária sobre os valores repassados aos revendedores. O recolhimento do tributo seria necessário por supostamente haver relação de trabalho entre a empresa e as pessoas físicas.

Na Câmara Superior do conselho a cobrança foi mantida por seis votos a dois. A maioria dos julgadores seguiu o posicionamento da conselheira relatora, Maria Helena Cotta Cardozo, que considerou que a relação trabalhista é evidenciada pelo fato de a remuneração recebida no final do mês aumentar em decorrência do aumento das vendas.

O conselheiro Luiz Eduardo de Oliveira Santos, que votou da mesma forma, resumiu a questão dizendo que há uma “prestação de serviço de colocação de produtos no mercado através de uma rede de distribuição”.

Divergiram os conselheiros Patrícia da Silva e João Victor Ribeiro Aldinucci. Para Patrícia, há apenas a aquisição de produtos para revenda, sem relação de trabalho ou emprego.

Com a decisão a instância máxima do Carf manteve o entendimento tomado em 2016 pela 2ª Turma da 2ª Câmara da 2ª Seção do conselho no caso. Na época a conselheira Cecília Dutra Pillar, relatora designada ao caso, manteve a cobrança fiscal por entender que “o bônus pago aos ‘distribuidores’ é retribuição pelo trabalho de marketing por eles desenvolvido”.

Processo tratado na matéria:

12448.730831/2013-62
Forever Living Products Brasil X Fazenda Nacional

 

Fonte: https://jota.info/tributario/carf-mantem-cobranca-em-caso-de-marketing-multinivel-17072017

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Desvio de função: servidores batem à porta do Judiciário para pedir diferenças salariais

De acordo com o Ministro Mauro Campbell Marques, da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “apenas em circunstâncias excepcionais previstas em lei poderá o servidor público desempenhar atividade diversa daquela pertinente ao seu cargo”. Dessa forma, o Poder Judiciário entende que o servidor público deve exercer somente a função para a qual prestou o concurso: não sendo permitido, portanto, nem que o servidor exerça a função de um cargo inferior e nem o contrário, quando o servidor é encaminhado para exercer a função de um cargo superior. Caso o desvio de função – como esse tipo de prática é chamado – seja caracterizado, o servidor pode entrar com uma ação contra o ente público para exigir que o seu direito em exercer somente a função do seu cargo seja respeitado, ou para que receba as diferenças remuneratórias decorrentes do exercício da função diversa ao seu cargo. Leia todos os detalhes na reportagem especial do Superior Tribunal de Justiça.

O edital de abertura do concurso público, que é considerado a “lei” do certame, descreve a habilitação exigida para o exercício dos cargos e as atribuições correspondentes. Contudo, nem sempre o aprovado é designado para exercer as atividades legalmente previstas para o cargo que assumiu. Nessas hipóteses, fica configurado o desvio de função.

De acordo com o ministro Mauro Campbell Marques, da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “apenas em circunstâncias excepcionais previstas em lei poderá o servidor público desempenhar atividade diversa daquela pertinente ao seu cargo”.

Conforme lição de José Maria Pinheiro Madeira, “embora a movimentação de servidor esteja inserida no âmbito do juízo de conveniência e oportunidade da administração pública, é certo que os direitos e deveres são aqueles inerentes ao cargo para o qual foi investido” (Servidor Público na Atualidade).

Para o autor, é inadmissível que o servidor exerça atribuições de um cargo tendo sido nomeado para outro, mesmo levando-se em conta o número insuficiente de agentes públicos. Segundo ele, o servidor tem “o direito de exercer as funções pertinentes ao cargo que ocupa, devendo a ilegalidade ser corrigida pelo Poder Judiciário, se acionado”.

Diante de tantos casos que chegam ao Poder Judiciário, em abril de 2009, o STJ editou a Súmula 378: “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes.” A partir de então, esse entendimento tem sido aplicado por diversos juízos e tribunais.

Retorno

Mas nem sempre as ações ajuizadas dizem respeito à questão financeira. Em agosto de 2013, a Quarta Turma julgou o caso de um servidor do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que desejava simplesmente exercer as atribuições pertinentes ao cargo para o qual foi nomeado (RMS 37.248).

Ele foi aprovado para escrevente técnico judiciário em 1988, contudo, exercia a função de contador judicial – à qual foi designado por meio de uma portaria no mesmo ano em que tomou posse – havia mais de 20 anos.

Antes de entrar na Justiça, tentou retornar ao cargo de origem pela via administrativa, sem sucesso. O mandado de segurança impetrado também foi denegado pelo TJSP. Aquele tribunal considerou que a designação do agente público para o cargo de contador judicial não foi ilegal, nem mesmo violou direito líquido e certo.

Em seu entendimento, o provimento foi fundamentado pelo interesse público, já que o servidor tinha adquirido muita experiência no cargo, e pelo fato de não haver outra pessoa para exercer aquela função sem prejuízo da qualidade do serviço.

Remuneração inferior

No recurso para o STJ, o servidor argumentou que, além de não ter formação em contabilidade, recebia remuneração inferior à de contador judicial, o que, segundo ele, viola os princípios da legalidade, da moralidade e da discricionariedade.

Com base no princípio da legalidade, o ministro Mauro Campbell, relator do recurso, afirmou que “o administrador deve agir de acordo com o que estiver expresso em lei, devendo designar cada servidor para exercer as atividades que correspondam àquelas legalmente previstas”.

Quanto ao caso específico, ele considerou que, apesar do número insuficiente de servidores na contadoria judicial, não é admissível que o escrevente técnico judiciário exerça atribuições de um cargo, tendo sido nomeado para outro. Em decisão unânime, a Turma determinou o retorno do servidor ao cargo de origem.

Diploma

Em outubro do mesmo ano, a Segunda Turma negou provimento ao recurso de um servidor do Paraná que pretendia continuar em cargo de nível superior, no qual atuava havia mais de 20 anos, apesar de ter sido aprovado em cargo de nível médio (RMS 43.451).

Quando ingressou no serviço público, em 1987, ele afirmou que possuía diploma de nível superior e isso foi suficiente para que assumisse o cargo de agente profissional – que exige essa qualificação.

Por meio de processo administrativo disciplinar (PAD), foi constatado que o servidor somente se formou em economia no ano de 2007. O PAD deu origem à decisão administrativa que, em 2011, reenquadrou-o no cargo de origem.

No mandado de segurança impetrado no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o agente disse que a administração não poderia mais sindicar e rever o seu enquadramento, porque havia ocorrido a decadência.

O tribunal de segunda instância discordou e afirmou que a administração pública tem o poder-dever de sanar eventual ilegalidade existente, “não estando o ato de revisão, neste caso, sujeito a prazo prescricional”.

Reenquadramento

Segundo o relator do recurso no STJ, ministro Humberto Martins, “está correto o entendimento do tribunal de origem, já que se afigura como caracterizado o ilegal desvio de função por parte do servidor”.

Ele ressaltou que a jurisprudência do STJ orienta que o desvio de função não pode outorgar o direito ao reenquadramento. Além disso, quanto ao processo administrativo, o ministro verificou que foi dado o direito de defesa ao servidor.

“Não há falar em enriquecimento ilícito por parte da administração pública, porquanto nada obriga que o recorrente desenvolva atividades de nível superior, uma vez que o seu enquadramento correto está adstrito ao nível médio”, concluiu Humberto Martins.

Indenização de transporte 

Embora o desvio de função não implique direito ao reenquadramento ou à reclassificação, quando o servidor exerce funções alheias ao cargo que ocupa, deve receber o pagamento das diferenças remuneratórias.

Com base nesse entendimento, a Quinta Turma reconheceu que um servidor que atuava como oficial de Justiça deveria receber, de forma retroativa, o pagamento de indenização de transporte correspondente ao período em que esteve em desvio de função (RMS 27.831).

O ocupante do cargo de escrevente juramentado foi inicialmente lotado na comarca de Iconha (ES). Em 2006, ele foi deslocado para Conceição da Barra, no mesmo estado, pois o quadro de oficiais de Justiça precisava de pessoal para dar cumprimento ao grande número de demandas pendentes.

No exercício das atividades de oficial de Justiça, passou a receber a indenização de transporte prevista na Lei Complementar Estadual 46/94, já que utilizava o próprio veículo para executar os serviços externos.

Contudo, em 2007, o pagamento da verba foi suspenso e, além disso, foi iniciado procedimento administrativo para reposição ao erário dos valores que já tinham sido pagos.

Negativa ilegal

O servidor apresentou pedido administrativo para receber os valores até então descontados, mas a administração negou, sob o fundamento de que a vantagem é devida apenas aos ocupantes do cargo de oficial de Justiça.

Inconformado, ele impetrou mandado de segurança com o mesmo intuito e o caso chegou ao STJ. O escrevente afirmou que a negativa de pagamento da indenização de transporte foi ilegal. Sustentou que “não constitui pressuposto para a indenização o exercício de cargo efetivo de oficial de Justiça, mas sim o efetivo exercício das atividades inerentes ao cargo de oficial de Justiça”.

A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso, deu razão ao servidor quanto à pretensão de continuar recebendo a indenização de transporte, “enquanto perdurar o exercício das funções atinentes aos oficiais de Justiça, ainda que não seja titular do aludido cargo”.

Imposto de Renda 

De acordo com o ministro Castro Meira, já aposentado, “a parcela recebida por servidor público em virtude do reconhecimento judicial do desvio de função ostenta nítida feição salarial, razão por que sobre ela incide o Imposto de Renda, por representar acréscimo patrimonial, base de incidência tributária”.

A mesma posição foi adotada pela Segunda Turma, em março de 2013, no julgamento do recurso especial de um servidor público que buscava o afastamento da incidência do Imposto de Renda sobre valores recebidos por reconhecido desvio de função, entre os anos de 1987 e 1999 (REsp 1.352.250).

Os ministros debateram a respeito da natureza jurídica dos valores pagos ao servidor –salarial ou indenizatória?

Para o ministro Humberto Martins, relator do recurso especial, “quando há desvio de função, caso a remuneração da atividade exercida seja maior do que a da atividade para a qual foi contratado, pode o trabalhador requerer a equiparação salarial”.

O relator explicou que a remuneração recebida com a equiparação tem nítida feição salarial, pois remunera o serviço que foi prestado em igualdade de condições, embora tenha sido o trabalhador contratado para função diversa.

“Reconhecida a natureza salarial da parcela, sobre ela incide o Imposto de Renda, já que representa acréscimo patrimonial, hipótese de incidência tributária”, concluiu Humberto Martins, no que foi acompanhado pelos demais ministros da Turma.

Auxiliar de enfermagem

A União bem que tentou, mas não conseguiu reformar decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que reconheceu o desvio de função de auxiliares operacionais de serviços diversos que exerciam o cargo de auxiliar de enfermagem (AREsp 68.451).

Para a União, tinha ocorrido a prescrição prevista nos artigos 1º e 2º do Decreto 20.910/32, os quais dispõem que as dívidas da União, dos estados e dos municípios prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originaram, inclusive restituições ou diferenças.

O relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques, concordou com o TRF1 quanto à ocorrência de desvio de função. Por essa razão, aplicou a Súmula 378 do STJ, que garante ao servidor o recebimento das diferenças salariais.

Quanto à prescrição, o ministro se baseou no texto da Súmula 85 do STJ para afirmar que, “em se tratando de desvio de função e não havendo negativa do direito reclamado, o servidor não tem direito apenas às parcelas anteriores aos cinco anos que antecederam a propositura da ação”.

Carga horária

Por meio do Decreto 4.345/05, foi fixada a jornada de 40 horas semanais para os servidores civis do Paraná. Para não contrariar legislação que estabelece jornada de 24 horas semanais para os técnicos de radiologia, devido aos riscos que a atividade causa à saúde, o decreto estabeleceu que as horas restantes fossem cumpridas em atividades administrativas, que não causam risco à saúde.

Para os ministros da Sexta Turma, essa situação não configurou desvio de função (RMS 23.475).

Após o aumento da carga horária, os servidores do estado impetraram mandado de segurança perante o TJPR, mas tiveram a pretensão negada.

No recurso para o STJ, eles defenderam que o decreto fere o direito de exercer suas funções em jornada de 24 horas semanais, “compatíveis, assim, com as atividades que desenvolvem”.

Sustentaram que a exigência prevista no decreto – de complementação das 40 horas semanais com outras atividades – caracteriza desvio de função, conforme previsto na Lei 7.394/85.

Oportunidade e conveniência

Segundo a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do recurso, o Decreto 4.345 não extrapola os limites da lei. “A fixação da jornada de trabalho é tema sujeito aos critérios de oportunidade e conveniência do poder público”, disse.

Ela explicou que, embora a lei federal tenha estabelecido jornada de trabalho de 24 horas para os técnicos de radiologia – por ser uma atividade prejudicial à saúde –, isso não significa que o servidor que exerce essa função não possa, nas horas restantes para complementar a carga de 40 horas semanais, desenvolver tarefas correlatas.

 

 

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Receita pratica discriminação tributária contra refinarias privadas

O artigo 23 da Lei 10.865/2004 faculta ao importador e ao fabricante de gasolina (salvo de aviação) e suas correntes[1] e de óleo diesel e suas correntes, entre outros produtos, optarem por regime especial de apuração do PIS e da Cofins. Consiste tal regime na atribuição de valores fixos às contribuições, por metro cúbico de produto importado ou vendido.

Embora a lei não seja expressa quanto ao creditamento pelas despesas necessárias à industrialização dos mesmos produtos no mercado interno, fato é que o segmento não está excluído da não cumulatividade pelos artigos 8º da Lei 10.637/2002 e 10 da Lei 10.833/2003, sendo ainda de notar que o artigo 3º de ambas as leis não faz nenhuma restrição à tomada de tais créditos.

Deveras, a única vedação relevante para o setor imposta por esse artigo refere-se aos créditos pela aquisição no mercado interno, para revenda, dos derivados de petróleo em questão — o que decorre da menção, na alínea b do inciso I do artigo 3º, ao parágrafo 1º do artigo 2º de ambos os diplomas (ver especialmente os incisos I, VI e X do referido parágrafo 1º)[2].

Apesar disso, a Receita Federal tem autuado os optantes que tomam créditos pelas despesas necessárias à fabricação daqueles produtos (insumos, energia elétrica, armazenagem etc.), ao suposto de que o regime especial afasta a não cumulatividade, exceção feita apenas ao creditamento pela importação das mercadorias nele contempladas, visto ser essa a única hipótese referida de maneira explícita na lei.

Nada mais errôneo. Primeiro, porque a interpretação a contrario sensu dos artigos 8º e 17, inciso II, da Lei 10.865/2004 é forçada: tudo o que eles dizem é que o importador terá créditos para compensar no âmbito do regime especial, em nenhum momento afirmando que este é o único caso de creditamento ou vedando tal possibilidade em outras situações.

Segundo, porque o Fisco parte da premissa errada: se o contribuinte está sujeito ao PIS e à Cofins não cumulativos, o que se deve buscar são regras que vedem o creditamento, e não que o permitam de forma expressa, pois a presunção milita em favor deste. E tal proibição não existe para as despesas em exame, como já se referiu.

Terceiro porque a assimilação do regime especial a um caso de cumulatividade é incompatível com a Lei 10.865/2004, que admite de forma textual o crédito do importador. Cumulatividade com direito de crédito é um contrassenso.

E quarto porque a interpretação adotada pela Receita — sem nenhum fundamento legal, insista-se — contraria princípios constitucionais da maior envergadura, tais como a soberania nacional, a livre concorrência, a neutralidade da tributação, valor subjacente à não cumulatividade e a isonomia.

Basta ver o seguinte: o importador de gasolina que a revende no mercado interno sujeita-se a R$ 261,60 de PIS/Cofins na importação (R$ 46,58 de PIS + R$ 215,02 de Cofins)[3] e a outros R$ 261,60 de PIS/Cofins na revenda. Contudo, deduz o primeiro valor contra o segundo — nos termos do artigo 17, inciso II, da Lei 10.865/2004 —, de sorte que nada paga na segunda operação, submetendo-se a uma carga tributária final de R$ 261,60.

Já a refinaria deve os mesmos R$ 261,60 na venda e, no entender do Fisco, nada pode abater quanto ao PIS e à Cofins suportados na aquisição dos bens e serviços necessários à fabricação da gasolina — despesas que só ela tem, pois o importador já recebe o combustível pronto.

Caso possa compensar tais créditos, terá carga tributária final idêntica à do importador (R$ 261,60), visto que o valor descontado quando do recolhimento já foi suportado no momento das aquisições. Não podendo aproveitá-los, terá carga tributária final equivalente à soma entre os R$ 261,60 devidos na saída e todo o PIS/Cofins incidente sobre as despesas essenciais à sua atividade, numa exótica forma de protecionismo às avessas, em que o país dá tratamento fiscal mais vantajoso aos produtos importados do que aos fabricados localmente.

Se é certo que os tratados firmados pelo Brasil o impedem de conceder privilégios tributários aos produtos domésticos em detrimento dos importados[4], é também evidente que ofende a soberania nacional — a que a ordem econômica deve sujeição, como lembra o artigo 170, inciso I, da Carta — o comportamento contrário, de discriminar fiscalmente os agentes internos em favor dos estrangeiros.

Ademais, a interpretação da Receita gera grave ofensa à livre concorrência (Constituição, artigo 170, inciso IV), favorecendo as 13 refinarias do sistema Petrobras, que em 2015 responderam por 98,2% da capacidade total instalada, frente às quatro controladas pelo setor privado, detentoras de não mais do que 1,8% do parque nacional de refino[5].

Com efeito, as refinarias da Petrobras foram constituídas sob a forma de filiais, de maneira que recebem os principais insumos para a produção de derivados sob a forma de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, sem incidência de PIS/Cofins. Sujeitam-se às contribuições somente nas importações, mas aí a lei lhes garante o crédito.

Já as refinarias privadas, não atuando na extração, precisam comprar os insumos no mercado interno ou no exterior, mas — na esdrúxula concepção da Receita — só têm créditos na segunda hipótese. O resultado dessa interpretação enviesada é a maior oneração tributária dos produtos das refinarias privadas frente aos vendidos pelas refinarias da Petrobras, sendo certo que ambas exercem exatamente a mesma atividade.

É claro que isso não se compatibiliza com a Constituição, que ademais veda a concessão — pela lei ou por quem tenha a função de interpretá-la em nome do Estado — de privilégios fiscais a empresas públicas ou sociedades de economia mista (artigo 173, parágrafo 2º).

Ofensa há ainda à não cumulatividade (artigo 195, parágrafo 12), na sua dimensão funcional — negativa de créditos quanto a despesas efetivas, essenciais e tributadas — e também no seu fundamento último, que é garantir a neutralidade fiscal, qualquer que seja o grau de verticalização dos agentes econômicos[6].

O valor subjacente a todos esses princípios constitucionais é a isonomia, cláusula pétrea cuja faceta tributária vem consagrada no artigo 150, inciso II, da Constituição (vedação de “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”).

A solução desse grave equívoco hermenêutico não requer a declaração de inconstitucionalidade de nenhuma lei — pois não há comando que sustente a visão da Receita —, exigindo apenas uma leitura sistemática e alinhada com a Constituição dos diplomas que regem o PIS/Cofins em geral e o regime especial dos hidrocarbonetos em particular.

[1] Correntes são os fluidos derivados do refino do petróleo que servem à fabricação de um produto.

[2] “Art. 3º. Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

I – bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos:

(…)

b) nos §§ 1º e 1º-A do art. 2º desta Lei;”

“Art. 2º, § 1º. Excetua-se do disposto no caput deste artigo a receita bruta auferida pelos produtores ou importadores, que devem aplicar as alíquotas previstas:

I – nos incisos I a III do art. 4º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, e alterações posteriores, no caso de venda de gasolinas e suas correntes, exceto gasolina de aviação, óleo diesel e suas correntes e gás liquefeito de petróleo – GLP derivado de petróleo e de gás natural;

(…)

VI – no art. 2º da Lei nº 10.560, de 13 de novembro de 2002, e alterações posteriores, no caso de venda de querosene de aviação;

(…)

X – no art. 23 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, no caso de venda de gasolinas e suas correntes, exceto gasolina de aviação, óleo diesel e suas correntes, querosene de aviação, gás liquefeito de petróleo – GLP derivado de petróleo e de gás natural.”

[3] Valores fixados pelo Decreto nº 5.059/2004, conforme a autorização do art. 23, § 5º, da Lei 10.865/2004.

[4] Um exemplo é o General Treaty on Tariffs and Trade – GATT/1994: “III.2. Os produtos do território de qualquer Parte Contratante, importados por outra Parte Contratante, não estão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais. (…)”

[5] As informações foram extraídas do Anuário Estatístico da ANP, disponível em:

http://www.anp.gov.br/wwwanp/ images/publicacoes/Anuario_ Estatistico_ANP_2016.pdf.

[6] Sobre o tema: LUÍS EDUARDO SCHOUERI. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 333-334.

Publicado na Revista Consultor Jurídico, 1 de fevereiro de 2017, 8h10

Igor Mauler Santiago é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG e membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.

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Contencioso administrativo exige reforma nos três níveis da federação

Os tribunais administrativos tributários estão em crise. No âmbito federal, o Carf — apesar de sua decantada qualidade técnica — tem funcionado aos soluços, sacudido ora por suspeitas de corrupção, ora por greves, ora por liminares que impedem o julgamento de casos ou alteram o seu resultado. No plano estadual, reina a entropia, cada estrutura tendo regras próprias de composição e funcionamento. O mesmo vale para os municípios; ou melhor, para a minoria deles que mantém algum órgão do gênero.

O remédio é aperfeiçoar, e não extinguir, pois esses tribunais são essenciais para a garantia de uma tributação justa: é a revisão que fazem do lançamento — pois aqui não cabe esperar o consentimento do devedor, como ocorre nos títulos executivos privados — que legitima o acesso direto do credor à execução, com salto sobre o processo de conhecimento. Interpretando o artigo 5º, inciso LV, da Constituição, o STF já afirmou que o contencioso administrativo em dois graus é direito fundamental do contribuinte (RE 389.383/SP).

O mesmo diploma poderia submeter a câmaras especializadas dos tribunais administrativos estaduais os processos dos municípios sem condições ou interesse para, atendendo àqueles requisitos mínimos, criar a sua própria estrutura de julgamento.

A sistemática, semelhante à adotada nos tribunais de Contas (CF, artigo 31, parágrafos 1º e 4º), não atentaria contra o federalismo. Basta notar que teria aplicação subsidiária, visando efetivar, diante da omissão do poder público, o direito fundamental de acesso à jurisdição administrativa. Repetindo: o município poderia facilmente subtrair-se à instância revisora estadual, desde que instituísse a sua, na forma da lei.

Quanto à composição dos tribunais, temos que a forma paritária — com metade dos integrantes indicados pelo Fisco e metade pelos contribuintes — não é um dogma, podendo-se perfeitamente admitir julgadores profissionais recrutados em concurso específico, à condição de que organizados em carreira apartada da fiscalização e dotados de garantias de imparcialidade similares às outorgadas ao Judiciário.

A manter-se o modelo paritário, que é a nossa tradição, três pontos merecerão cuidado. Primeiro, o resguardo da efetiva paridade, vedando-se o funcionamento de câmaras desequilibradas. Tal anomalia atualmente se verifica no Carf, pela dificuldade de recrutarem-se conselheiros representantes dos contribuintes (que ganham muito menos do que os do Fisco!), e tem ensejado liminares suspendendo o julgamento de feitos naquele órgão.

Segundo, a prevenção de conflitos de interesses no espírito dos julgadores. Para os representantes do Fisco, isso se faz impedindo-se que tenham participação nos valores sobre os quais decidem. A vedação existe para o Judiciário (CF, artigo 95, parágrafo único, II) e deve, pelas mesmíssimas razões — moralidade e imparcialidade —, ser estendida aos juízes administrativos.

A bem dizer, a inconstitucionalidade da MP 765/2016, que destina aos fiscais federais 100% das multas arrecadadas, não seria sanada com a mera supressão do benefício para os auditores cedidos ao Carf. Ainda que restrito aos auditores dedicados à fiscalização, o bônus continuaria a representar apropriação de receita pública para fins privados (ADI 1.145), vinculação de receita à remuneração de servidores (CF, artigo 37, inciso XIII) e ofensa à impessoalidade da administração (STF, Representação 904), entre outros vícios que apontamos em parecer ora pendente de votação no Conselho Federal da OAB.

Já para os representantes dos contribuintes, evitam-se os conflitos de interesses proibindo-se que atuem como advogados. A incompatibilidade, trazida pelo artigo 28, inciso II, do Estatuto da OAB, passou a ser aplicada de forma literal pelo Conselho Federal da OAB apenas em 2015, e mesmo assim só para o Carf — mantendo-se a interpretação anterior (mero impedimento para advogar contra o ente a que servem) para os membros dos demais tribunais administrativos.

O tema suscita paixões, mas aplaudimos a nova orientação e predicamos a sua extensão aos estados e municípios, sem nenhum demérito aos advogados que, seguindo a orientação do Conselho Federal, atuaram ou — nos tribunais locais — continuam a atuar como julgadores. A crítica é à regra (ou a uma certa interpretação dela), e não às pessoas que a observam. E nada tem que ver com suspeitas de corrupção, para as quais o tratamento é policial, mas, sim, com o ganho de eficiência decorrente da dedicação exclusiva de todos os julgadores ao tribunal, e principalmente com o imperativo de transparência, hoje muito mais rigoroso do que outrora.

O terceiro tema refere-se ao tratamento do empate. Pensamos que a solução atual é inadequada, seja por vulgarizar um mecanismo — o voto de minerva do presidente — concebido para resolver a igualdade acidental em cortes com número ímpar de assentos, seja por estimular o alinhamento automático dos conselheiros do Fisco nos casos de vulto. Inverter o critério, como têm feito recentes liminares que definem o empate como vitória do contribuinte, mantém o problema, apenas transferindo o benefício indevido para o outro lado. E acabará por legitimar a Fazenda a contestar em juízo as decisões que lhe forem contrárias, em lance de esquizofrenia institucional: o poder público propondo ação contra um ato seu.

Melhor será eliminar o voto dobrado para qualquer das partes, conservando-se, em caso de empate, a suspensão da exigibilidade do tributo até a sentença de 1º grau, desde que o contribuinte ajuíze ação anulatória em até 60 dias do fim do processo administrativo. O juiz será o desempatador, e o débito deverá ser garantido após a sentença, se esta for de improcedência. Trata-se, é claro, de alteração a ser feita pelo legislador, e não por decisões judiciais ativistas.

Duas observações finais: qualquer modelo, paritário ou não, repele o recurso hierárquico, mantido em algumas legislações estaduais, como a do Rio de Janeiro. Ofende o contraditório e o due process atribuir-se a apenas uma das partes, encerrado o debate no âmbito de órgão técnico, a faculdade de suscitar a decisão política do secretário da Fazenda, nada menos do que o chefe da arrecadação.

E convém, face à elevada sofisticação das questões processuais e de mérito discutidas nos tribunais administrativos, exigir que o particular seja sempre representado por advogado (alteração do artigo 1º do Estatuto da OAB), para maior benefício do próprio contribuinte e para — com a garantia da qualidade técnica dos debates — tirar-se o máximo proveito dessa instância, desafogando-se na medida do possível o Poder Judiciário.

Igor Mauler Santiago é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG e membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.

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